segunda-feira, 16 de abril de 2007

A Língua de Sinais constituindo o Surdo como Sujeito

A discussão sobre a surdez, educação e língua de sinais vem sendo ampliada nos últimos anos por profissionais envolvidos com a educação de surdos, como também pela própria comunidade surda. Segundo Moura ( 2000 ) a educação e inserção social dos surdos constituem um sério problema, e muitos caminhos tem sido seguidos na busca de uma solução. A oficialização da língua Brasileira de Sinais ( LIBRAS ) em abril de 2002 ( Lei Nº 10.436 , de 24 de abril de 2002 ) começa a abrir novos caminhos, sem, no entanto deixar de gerar polêmicas por profissionais que trabalham com surdos e por surdos oralizados, que não se sentem parte integrante da comunidade surda.
Mesmo sendo a língua de sinais, a língua natural dos surdos, pois é adquirida de forma espontânea pela criança surda, ainda é considerada por alguns profissionais apenas como gestos simbólicos. Esta desvalorização se dá pelo pressuposto que a língua oral ainda é imperativa em nossa sociedade e qualquer outra forma de comunicação, como ocorre com a língua de sinais, é considerada inferior e incomparável às línguas orais.
Conseqüentemente, o surdo acaba não participando do processo de integração social, muitas vezes por não ser compreendido. A tecnologia trouxe inúmeros avanços no que se refere à detecção precoce de surdez, equipamentos, próteses, softwares ... Mas essa tecnologia não é acessível a todos os surdos devido a aspectos sócio-econômico-culturais; e ainda que fosse acessível, ela por si só não garantiria o desenvolvimento lingüístico identificatório e cultural do sujeito surdo.
É preciso aceitar as diferenças existentes entre os surdos com relação a modalidade de comunicação utilizada, seja oral ou a língua de sinais. Essa diferença quer dizer inferioridade? A criança ouvinte, desde seu nascimento é exposta à língua oral, dessa forma é oferecida a ela a oportunidade de adquirir uma língua natural, a qual irá permitir realizar trocas comunicativas, vivenciar situações do seu meio e assim possuir uma língua efetiva e construir sua linguagem. Para a criança surda deveria ser dada a mesma oportunidade, de adquirir uma língua própria para constituir sua linguagem.
A nossa sociedade não está preparada para receber o indivíduo surdo, não lhe oferecendo condições para se desenvolver e consolidar sua linguagem.
A partir da aquisição de uma língua a criança passa a construir sua subjetividade, pois ela terá recursos para sua inserção no processo dialógico de sua comunidade, trocando idéias, sentimentos, compreendendo o que se passa em seu meio e adquirindo novas concepções de mundo.
No caso de crianças surdas filhas de pais ouvintes, esse processo não irá acontecer naturalmente já que as modalidades lingüísticas utilizadas nas interações mãe-criança,. não são facilmente adquiridas por essas crianças. Seu processo de aquisição da língua não será natural como o das crianças ouvintes, havendo necessidade de coloca-las em contato com um adulto surdo fluente em LIBRAS, que será para essa criança o meio mais fácil de propiciar sua aquisição da língua e contribuirá para a formação de sua identidade surda.
Essa criança surda, no momento em que adquire sua língua natural, torna-se capaz de aprender uma segunda língua, tornando-se um ser bilingue.
A língua de sinais deve ser respeitada como língua, pois assume a mesma função da língua oral : a comunicação.
De acordo com Quadros (1997), tal língua surge pelos mesmos ideais, as necessidades naturais e específicas dos seres humanos de usarem um sistema lingüístico para expressarem idéias, sentimentos e ações.
A língua de sinais se apresenta tão complexa e expressiva quanto a língua oral. Esta língua, como todas as outras, estabelece características próprias, de acordo com a nacionalidade e até mesmo da regionalidade.
Como afirma Sacks ( 1998 ), as línguas de sinais apresentam sintaxe, gramática e semântica completas, mas possuem caráter diferente daquele das línguas escritas e faladas.
Por meio da língua passamos a compreender o mundo, constituindo nosso cognitivo e subjetivo, criando por meio de nossas experiências e concepções próprias, de tudo e todos que fazem parte do nosso meio. A criança surda necessita de uma língua que possibilite a ela a integração ao seu meio, no qual ela seja capaz de compreender o que está ao seu redor, significar suas experiências, em vez de uma língua que a torne um ser apto para reproduzir um número restrito de palavras e frases feitas, que para ela não tenham nenhum significado comunicativo, restringindo sua potencialidade para construir e utilizar a linguagem no processo dialógico.
A família, então, exerce papel determinante para o estabelecimento da língua de sinais, como língua funcionante no discurso da criança surda nos primeiros anos de vida.
O bilingüismo possibilita ao surdo adquirir/ aprender a língua que faz parte da comunidade surda. O trabalho bilíngüe educacional respeita as particularidades da criança surda, estabelecendo suas capacidades como meio para essa criança realizar seu aprendizado. Essa proposta também oferece o acesso à língua oral e aos conhecimentos sistematizados, priorizando que a educação deve ser construída a partir de uma primeira língua, a de sinais, para em seguida ocorrer a aquisição da segunda língua, o português (oral e/ou escrito).
O Projeto de Educação Bilíngüe para os surdos busca a aceitação da surdez sem almejar transformações culturais e identificação do sujeito surdo. O indivíduo ao adquirir uma língua natural é capaz de se desenvolver plenamente, vivenciando, aprendendo e se comunicando, além de se identificar com a cultura. A concepção bilíngüe luta para que o sujeito surdo tenha o direito de adquirir/aprender a LIBRAS e que esta o auxilie, não só na aquisição da sua segunda língua (majoritária), mas que permita sua real integração na sociedade, pois ao adquirir uma língua estruturada o surdo pode criar concepções e oportunidades, participando ativamente do convívio de seu meio
Reis ( 1997 ) afirma que a linguagem apresenta grande importância na formação da consciência, promovendo a ampliação da percepção de mundo, assegurando o processo de abstração e generalização, sendo, então o elo de transmissão de informação e cultura entre a criança e o mundo.
Quando o sujeito surdo é levado a conviver apenas com uma comunidade ouvinte, sem contato com outros surdos, sua surdez tende a ser ocultada e depreciada. O estigma de deficiente agrava-se a cada dificuldade que a pessoa irá encontrar para se igualar com o ouvinte. Portanto, para que o surdo possa reconhecer sua identidade surda é importante que ele estabeleça o contato com a comunidade surda, para que realize sua identificação com a cultura, os costumes, a língua e, principalmente, a diferença de sua condição. Por intermédio das relações sociais, o sujeito tem a possibilidade de acepção e representação de si próprio e do mundo, definindo suas características e seu comportamento, diante dessas vivências sociais.
Uma criança que não escuta possui as mesmas condições de aprendizagem que uma criança ouvinte, porém o acesso à linguagem se dará por meio do canal gesto-visual. Ao permitir que a criança surda tenha a oportunidade de se desenvolver de forma análoga à das crianças ouvintes, estar-se á respeitando sua língua, sua diferença. É preciso também promover a integração com sua cultura, para que se identifique e possa utilizar efetivamente a língua de sinais. A comunidade surda terá muita importância para o desenvolvimento da identidade, pois nessa comunidade a língua de sinais ocorre de forma espontânea e efetiva . Todo sujeito precisa interagir em seu meio, apropriar-se de sua cultura e de sua história, e formar sua identidade por intermédio do convívio com o outro.
A Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de fevereiro de 2002, institui as diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
O documento se refere ao sujeito surdo como “educando com necessidades educacionais especiais que apresenta dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis”. Para isto prevê avaliação com vistas a proporcionar atendimento escolar necessário ao processo ensino-aprendizagem, a ser realizado em escolas e salas regulares e em espaços de educação especial ( sala dês recursos), com professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis ( como a língua de sinais), para atuarem junto a esses alunos e seus demais professores.
Este documento traz consigo o paradigma da inclusão social e do desenvolvimento de habilidades e competências, busca da identidade própria de cada educando, valorização das diferenças, desenvolvimento de sua participação social, política e econômica, situando o sujeito surdo como um grupo organizado lingüística e culturalmente , o que afasta de uma vez por todas o paradigma ultrapassado que situava o indivíduo surdo como deficiente.
O enfoque trazido pela Resolução Nº 2 valoriza a construção da identidade surda, que está em constante processo de mudança e transformação. Isto é muito importante para os alunos que fazem parte da comunidade surda, pois este grupo é detentor de uma cultura própria e luta pelo respeito e aceitação da sociedade em geral, valores contemplados no documento legal.


REFERÊNCIAS WEBLIOGRÁFICAS:
DIZEU, Liliane C. T. de B. e CAPORALI, Sueli A.. - A língua de sinais constituindo o surdo como sujeito. www.cedes.unicamp.br

PINTO, Patrícia L. F.. Identidade Cultural Surda na Diversidade Brasileira. www.ines.org.br

DIAS, Vera L. L.. Educação e Surdez: um paradigma pedagógico. www.ines.org.br

Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de fevereiro de 2001. www.mec.gov.br/seesp

Iágara Rosa

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